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quinta-feira, 10 de julho de 2014

Cidade de Inhambane: História e Memórias



A Cidade de Inhambane é a segunda mais antiga do país e constitui um mosaico histórico-cultural. Nela misturam-se as influências da velha Europa, da Índia, da Arábia com a cultura africana. A sua localização e arquitectura reflectem até hoje as diferentes influências da sua história agitada.
No Sec. XI o seu porto já era usado pelos árabes. Os portugueses estabeleceram-se no Sec. XVI durante 200 anos onde Inhambane foi um importante centro de venda de Marfim e, posteriormente de escravos através do seu porto. A presença de outros povos, portugueses, asiáticos e árabes nesta cidade deixou diversas marcas que até hoje estão presentes e fazem parte da história da mesma. Estes povos influenciaram com seus hábitos, costumes, história, religião e outras, visíveis em edifícios, monumentos, aspecto paisagístico da cidade, arquitectura etc.

Barcos a Vela na Baia de Inhambane












 Estes aspectos, juntados com  sua gastronomia, danças tradicionais, produções de artesanato e a nova produção cultural que formam o património histórico-cultural da Cidade confere a “terra de boa gente” um potencial turístico cultural variado.
Tal facto é fundamentado por Bruschi et al (2003:111) ao afirmar que Inhambane constitui uma Cidade com um património físico e histórico que transporta uma memória colectiva sócio-cultural ao longo do tempo e durante mais de três séculos, em que a comunidade constituiu ao longo desse tempo a sua identidade urbana, ligando-se a uma memória colectiva dos lugares, edifícios e das pessoas. O mesmo autor acrescenta ainda que as profissões, os hábitos e as recordações familiares e sociais têm origem num passado remoto e são testemunhos vivos da vida de uma certa época.
Casa Rondavel
Burraco Tofinho



Património Histórico-Cultural Vs Lugares de Memória



Monumento de Tofinho (Inhambane)


Vários autores como Gonçalves (2003), Barreto (2000), Gastal (2002) debruçam-se sobre os critérios de promoção de determinado elemento à condição de património e das formas da sua valorização. O facto prende-se com a evolução do conceito de património e da legitimidade da sua classificação e preservação.
A selecção destes elementos quando é de âmbito nacional exclui na maioria das vezes muitos bens de relevância para as comunidades locais. Nesta óptica, alguns dos bens classificados como património histórico-cultural oficialmente, passam a não ter grandes significados para as comunidades locais, sendo a sua valorização comprometida. É neste contexto que, para uma intervenção turística do património histórico-cultural Gastal (2002) propõe a categoria de lugar da memória.
Esta categoria surge da junção dos conceitos memória e lugar. Por memória entende Gastal (2002) “o que identifica a humanidade com algo por ela construída, o que identifica os indivíduos entre si, mas também os tornam únicos como comunidade. (...) a memória é base para a identidade porque auxilia na manutenção dos laços de pertença da humanidade”.
Ainda nesta óptica, Barreto (2000) salienta que a manutenção do património histórico-cultural, faz parte de um processo que são a conservação e recuperação da memória, graças à qual os povos mantêm sua identidade, “a memória é um elemento essencial da identidade, individual ou colectiva”.
O conceito de memória colectiva refere-se a uma memória social, exterior ao indivíduo, estendida no tempo e guarda eventos acontecidos há muito e, constitui o revestimento das memórias individuais, conservando os factos acontecidos na sociedade à qual o individuo pertence. Os indivíduos por sua vez “recorrem a essa memória para conhecer factos do passado da sua comunidade”.
Assim sendo, para Gastal (2002) o património histórico-cultural não pode ser visto apenas segundo o seu perfil económico, ou pela perspectiva da história oficial, deve ser acompanhada das memórias constituintes, a memória social. A memória social vai muito além do que o previsto na legislação, e assim sustenta:
“Nem sempre um prédio ou objecto precisa de ser “excepcional” para fazer parte das recordações de um grupo social, porque as vivências das comunidades não são significativas por não constarem nos registos que a historia oficial guardou ou que o mercado financeiro valorize, mas por uma serie de pequenos liames afectivos”.
Para Waisman[2] citado por Gastal (2002) o lugar “constituir-se-ia a partir da acção humana ao longo do tempo, acumulada como história (...)”. No ponto de vista de Martins (2005) a memória de uma localidade pode estar presente na produção cultural de seus moradores e, as diferentes memórias estão presentes no tecido urbano, transformando espaços em lugares únicos e com forte apelo afectivo para quem neles vive ou para quem os visita.

Portico das Deportacoes (Inhambane)
 








Assim, surgem destes conceitos os lugares de memória que são aqueles espaços que a experiência da comunidade transformou em lugar – local, bairro, rua, prédio ou objecto – que pode ser um museu ou o armazém que fornece géneros para um bairro e, Gastal (2002) conceitua como “aqueles espaços que a experiência local transformou em lugar, ali acumulando valores cognitivos, valores formais, valores afectivos e valores pragmáticos”.
O valor cognitivo supõe um acúmulo concreto de informações sobre os saberes da comunidade, em especial para solucionar problemas do quotidiano, podendo ter registo formal ou não; o valor formal inclui as propriedades materiais a construir o valor estético; valores afectivos são aqueles que contribuem para o sentimento de pertença e valores pragmáticos ou valor de uso significa que o lugar de memória está em plena utilização e convivência com a comunidade que assim considera.
Dessa forma, é possível afirmar que o lugar de memória designa o significado e valor histórico, estético, científico e simbólico, como experiência individual ou colectiva do bem cultural de natureza material e/ou imaterial para as gerações passadas, presentes e futuras, e nos dizeres de Martins[3] assim se expressa:
 As relações da comunidade com seu património historico-cultural circunscrevem-se nas diferentes e complexas esferas da vida social, possibilitando que cada um possa reconhecer a si mesmo e a sua experiência de vida colectiva. Por isso o património cultural é base e sustentação da identidade da sociedade.
É dentro desta óptica que o património histórico-cultural equivale à categoria lugar de memória e, esta categoria pode contribuir para uma metodologia que amplie os critérios dos inventários turísticos no que se refere às manifestações culturais.
Deste modo, a categoria a ser assumida para o inventário turístico do património histórico-cultural é o de lugar de memória, por estar intimamente ligada às memórias individuais e colectivas locais e de conter tanto os bens consagrados pela história oficial, quanto outros cuja população considere relevante para sua história e vida quotidiana.


[2] WAISMAN, M.  (1997) “ La Ciudad e Sus Mémoire” e “Universalidad e Regionalism” in Anais do 2º Congresso Latino-Americano sobre a Cultura Arquitectónica e Urbana. Porto Alegre p. 27 e 68.

sexta-feira, 6 de junho de 2014

Possibilidades do Aproveitamento Turístico do Património Histórico-Cultural


O turismo é conceituado por Padilla[1] (1992) citado por Rose (2002:02) como um fenómeno social que, consiste no deslocamento voluntário e temporário de indivíduos ou grupos de pessoas que, fundamentalmente com motivo de recreação, descanso, cultura ou saúde, se deslocam do seu lugar de residência habitual para outro, e  que não exerçam nenhuma actividade remunerada, gerando múltiplas inter- relações de importância social, económica e cultural.
A relação entre o turismo e património histórico-cultural é expressa pela ICOMOS[2] patente na carta de turismo cultural de 1976 que define o turismo cultural como sendo aquele que tem por objectivo, entre outros fins, o conhecimento de monumentos e sítios histórico-artisticos e que exerce um efeito positivo sobre estes e contribui para a satisfação dos próprios fins, a sua manutenção e protecção. Este conceito remete-nos a uma troca de benefícios entre os turistas, operadores, comunidade e os recursos patrimoniais.
A proposta de aproveitamento apresentada  neste projecto de pesquisa foi pensada a partir da metodologia interpretativa e de uma acção planeadora adequada com vista à uma valorização do património, quer pelos turistas, assim como residentes.
Segundo Murta & Goodey (2002:13) in Murta & Albano (2002) a metodologia interpretativa valoriza a experiência do visitante, propicia a melhor compreensão do lugar visitado, valoriza o património histórico-cultural porque “é o processo de acrescentar valor à experiência do visitante, por meio do fornecimento de informações e representações que realcem a história e as características culturais e ambientais de um lugar”.
Por sua vez Miranda (2002:95) in Murta & Albano (2002), considera a interpretação do património como “a arte de revelar in situ o significado do legado natural, cultural ou histórico, ao público que visita esses lugares em seu tempo livre”. Portanto, na óptica do autor ela deve: provocar atenção, curiosidade ou interesse na audiência; Revelar a essência do significado do lugar ou do objecto; Unir as partes em um todo e produzir sensações e emoções no público, com a finalidade produzir mudanças nos âmbitos cognitivos, afectivos e comportamentais do turista e/ou visitante.
Para estes autores, a metodologia interpretativa procura informações que propiciem uma nova percepção à respeito do património histórico-cultural através da interpretação que os próprios residentes fazem dos patrimónios, permitindo a participação dos mesmos na sua valorização.
Por fim, Murta & Goodney[3] citados por Magalhães (2002:120) afirmam a interpretação do património ter como objectivo ajudar as localidades a criarem uma infra-estrutura adequada ao desenvolvimento da actividade turística, ampliar as potencialidades, valorizar as experiências dos visitantes, incluindo a valorização dos próprios patrimónios, transformando em recursos da actividade turística. A interpretação é considerada pelos autores eficaz possibilitando promover o interesse popular e fomentar atitudes preservacionistas.
Mas para que se aplique a metodologia de interpretação adequadamente, é necessário que se faça um inventário turístico, para este caso, do património histórico-cultural de modo a se conhecer todo potencial, para posteriormente, segundo modelos e métodos adequados transformá-los em atractivos turísticos. Assim sendo, a OMT[4] citado por Magalhães (2002:95) conceitua o inventário como:
“um instrumento sumamente valioso para a planificação turística, tanto sectorial como territorial, pois a partir dele pode-se realizar avaliações e estabelecer as prioridades necessárias para a aplicação dos meios humanos e económicos com que se conta para o desenvolvimento do sector”.
Vários são os modelos de inventariação para os recursos turísticos, no qual o património histórico-cultural faz parte, propostos por diferentes organismos como Organização Mundial do Turismo (OMT), Organização dos Estados Americanos, (OEA), Instituto Brasileiro de Turismo (EMBRATUR), mas, concordando com Magalhães (2002:96) estes devem reflectir a realidade do local. Nesta óptica, o modelo para o inventário será baseado no proposto por Magalhães (2002), por poder-se aplicar à categoria lugar da memória.
Este modelo é constituído por um formulário composto de um conjunto de fichas (vide anexo 01), demonstrando fielmente a realidade do património histórico-cultural e a sua situação, é aberto e dinâmico, permitindo introduzir, se necessário, variações que possam ocorrer com o passar do tempo. Por outro lado, contempla informações para uma posterior aplicação da metodologia interpretativa para o aproveitamento turístico proposta por Murta & Goodney.
O inventário turístico com base nos lugares de memória e a metodologia de interpretação constituem importantes ferramentas de planeamento para intervenção turística no património histórico-cultural, e na criação de roteiros turísticos[5] locais.





[1] PADILLA, Ósacar de La Torre. (1992). El Turismo, Fenómeno Social. México:Fondo de Cultura Económica

[2] Comité Internacional de Monumentos e Sítios, disponível em www.Iphan.gov.br/porta/mostrar  

[3] MURTA, S.M; GOODNEY, B.  (1995). Interpretação do Património para o Turismo Sustentável: Um Guia. Belo Horizonte: SEBRAE

[4] OMT (1996). Planeamento para o Desenvolvimento do Turismo Sustentável em Nível Municipal. Madrid


[5] Indicações de pontos de interesse turístico envolvendo uma porção maior do terreno,  pondedo ser percorido a pé, de carro, (...) conforme a distância, Magalhães (2002:121).