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quinta-feira, 10 de julho de 2014

Património Histórico-Cultural Vs Lugares de Memória



Monumento de Tofinho (Inhambane)


Vários autores como Gonçalves (2003), Barreto (2000), Gastal (2002) debruçam-se sobre os critérios de promoção de determinado elemento à condição de património e das formas da sua valorização. O facto prende-se com a evolução do conceito de património e da legitimidade da sua classificação e preservação.
A selecção destes elementos quando é de âmbito nacional exclui na maioria das vezes muitos bens de relevância para as comunidades locais. Nesta óptica, alguns dos bens classificados como património histórico-cultural oficialmente, passam a não ter grandes significados para as comunidades locais, sendo a sua valorização comprometida. É neste contexto que, para uma intervenção turística do património histórico-cultural Gastal (2002) propõe a categoria de lugar da memória.
Esta categoria surge da junção dos conceitos memória e lugar. Por memória entende Gastal (2002) “o que identifica a humanidade com algo por ela construída, o que identifica os indivíduos entre si, mas também os tornam únicos como comunidade. (...) a memória é base para a identidade porque auxilia na manutenção dos laços de pertença da humanidade”.
Ainda nesta óptica, Barreto (2000) salienta que a manutenção do património histórico-cultural, faz parte de um processo que são a conservação e recuperação da memória, graças à qual os povos mantêm sua identidade, “a memória é um elemento essencial da identidade, individual ou colectiva”.
O conceito de memória colectiva refere-se a uma memória social, exterior ao indivíduo, estendida no tempo e guarda eventos acontecidos há muito e, constitui o revestimento das memórias individuais, conservando os factos acontecidos na sociedade à qual o individuo pertence. Os indivíduos por sua vez “recorrem a essa memória para conhecer factos do passado da sua comunidade”.
Assim sendo, para Gastal (2002) o património histórico-cultural não pode ser visto apenas segundo o seu perfil económico, ou pela perspectiva da história oficial, deve ser acompanhada das memórias constituintes, a memória social. A memória social vai muito além do que o previsto na legislação, e assim sustenta:
“Nem sempre um prédio ou objecto precisa de ser “excepcional” para fazer parte das recordações de um grupo social, porque as vivências das comunidades não são significativas por não constarem nos registos que a historia oficial guardou ou que o mercado financeiro valorize, mas por uma serie de pequenos liames afectivos”.
Para Waisman[2] citado por Gastal (2002) o lugar “constituir-se-ia a partir da acção humana ao longo do tempo, acumulada como história (...)”. No ponto de vista de Martins (2005) a memória de uma localidade pode estar presente na produção cultural de seus moradores e, as diferentes memórias estão presentes no tecido urbano, transformando espaços em lugares únicos e com forte apelo afectivo para quem neles vive ou para quem os visita.

Portico das Deportacoes (Inhambane)
 








Assim, surgem destes conceitos os lugares de memória que são aqueles espaços que a experiência da comunidade transformou em lugar – local, bairro, rua, prédio ou objecto – que pode ser um museu ou o armazém que fornece géneros para um bairro e, Gastal (2002) conceitua como “aqueles espaços que a experiência local transformou em lugar, ali acumulando valores cognitivos, valores formais, valores afectivos e valores pragmáticos”.
O valor cognitivo supõe um acúmulo concreto de informações sobre os saberes da comunidade, em especial para solucionar problemas do quotidiano, podendo ter registo formal ou não; o valor formal inclui as propriedades materiais a construir o valor estético; valores afectivos são aqueles que contribuem para o sentimento de pertença e valores pragmáticos ou valor de uso significa que o lugar de memória está em plena utilização e convivência com a comunidade que assim considera.
Dessa forma, é possível afirmar que o lugar de memória designa o significado e valor histórico, estético, científico e simbólico, como experiência individual ou colectiva do bem cultural de natureza material e/ou imaterial para as gerações passadas, presentes e futuras, e nos dizeres de Martins[3] assim se expressa:
 As relações da comunidade com seu património historico-cultural circunscrevem-se nas diferentes e complexas esferas da vida social, possibilitando que cada um possa reconhecer a si mesmo e a sua experiência de vida colectiva. Por isso o património cultural é base e sustentação da identidade da sociedade.
É dentro desta óptica que o património histórico-cultural equivale à categoria lugar de memória e, esta categoria pode contribuir para uma metodologia que amplie os critérios dos inventários turísticos no que se refere às manifestações culturais.
Deste modo, a categoria a ser assumida para o inventário turístico do património histórico-cultural é o de lugar de memória, por estar intimamente ligada às memórias individuais e colectivas locais e de conter tanto os bens consagrados pela história oficial, quanto outros cuja população considere relevante para sua história e vida quotidiana.


[2] WAISMAN, M.  (1997) “ La Ciudad e Sus Mémoire” e “Universalidad e Regionalism” in Anais do 2º Congresso Latino-Americano sobre a Cultura Arquitectónica e Urbana. Porto Alegre p. 27 e 68.

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